um pouco do que eu passei
- Lara Delgado
- 5 de fev. de 2017
- 4 min de leitura

Muita gente aqui conhece essa história, alguns conhecem pouco, alguns acham que conhecem e poucos sabem tudo...
Não faz muito tempo, eu descobri que tem gente passando pelo que eu passei, gente que eu não conheço e que eu queria poder falar "ei, fica calma, vai dar tudo certo". A primeira vez que eu fui morar sozinha não foi um conto de fadas, longe disso. Eu tinha 15 anos, uma adolescente chata que brigava com os pais e os irmãos e era doida pra sair logo de casa e ser independente. Ainda nem sabia o que queria fazer da vida, mas fui. Com a cara e a coragem (é a assim que fala?). Que desilusão. Meu sonho, há anos, virou um pesadelo. Eu não conseguia visitar meus pais porque chorava o tempo todo. Quando chegava chorava de saudade, no dia seguinte, de medo do domingo que estava pra chegar e me levaria de volta pra outra casa. Que foi montada tão carinhosamente pra mim. Que tinha meu jeitinho, que devia ser meu cantinho. Eu só queria que aquilo tudo passasse, que aquela sensação acabasse e que tudo voltasse a ser como era antes. Não se engane, eu sabia me virar. Eu cozinhava bem, eu amava a escola nova, eu até fiz amigas, que carrego comigo até hoje! Eu simplesmente odiei. Não tem explicação, não era hora. Tinha tudo pra ser perfeito, mas não foi. E eu voltei. Voltei e lembrei o que era me sentir feliz e satisfeita. Aquela angústia doida passou. Eu conseguia sair com minhas amigas, eu saía de casa, eu conseguia rir tranquila. Não me arrependo por um segundo sequer. Mas eu mudei. Essa experiência e tudo o que ela acarretou na minha vida me fez uma pessoa totalmente diferente, uma pessoa que eu custei a aceitar e a entender. Tudo mudou quando eu voltei. Tiveram mil e um boatos, dessas coisinhas de cidade pequena que faz a gente ter vergonha de fazer parte sabe? Meus pais ficavam pensando no "e se", "e se eu tivesse sido mais duro ?", "e se ela nunca tivesse ido ?" "e se ela não passar na faculdade ?". Muitas vezes eles não me falavam nada disso, mas quando a raiva subia alguém trazia o assunto à tona. Eu voltei com a segurança de quem sabia que nada mais no mundo me faria feliz, a não ser estar em casa. E eu recomendo, se for esse o seu caso. Porque caso contrário, o "e se" é um fardo muito pesado que, muita das vezes a gente não dá conta de carregar. E aí que foi perfeito, foi maravilhoso o ano em que voltei pra casa. Costumava dizer que tinha sido o pior e melhor ano da minha vida, tudo de uma vez. Até que chegou o vestibular. Eu não considerava, nem por um momento, continuar na minha cidade. Depois de um tempo de volta o ensino médio foi me cansando, eu queria mais que só isso. Eu queria estar em um lugar diferente, com pessoas diferentes e de todos os lugares, pessoas como eu e pessoas diferentes de mim. Mas e o medo? O medo de dar tudo errado, o medo de não aguentar, de pedir pra voltar, de ter investido no vazio, de novo. Fiz o ENEM. Nem fiquei tão nervosa, "seja o que Deus quiser". "Olha meu Deus, eu sei que eu estudei, mas se não for pra eu ir morar fora, por favor, não me deixa passar em nada?!" Até os 45 do segundo tempo eu não sabia se iria ou não, eu mal aceitava que eu não queria fazer medicina. Era muito pra processar de uma só vez. Minha nota foi boa, ufa. Ponto de corte alto, MEU DEUS! A agonia de esperar as chamadas do SISU só me fez ter ainda mais certeza do que eu queria. Eu queria, de novo, sair de casa, buscar meu futuro em um lugar que eu já sabia bem! Apostei todas as minhas cartas, segunda opção coloquei bem longe que foi pra não correr o risco de ter que ir. Os outros vestibulares foram pra direito porque eu não podia arriscar passar no que eu queria em um lugar que não me agradava. Em alguma dessas chamadas eu passei. Nunca fiquei tão feliz. Meus pais nem tanto. Alem de eu não estar passando pro curso que eles sempre acreditaram que seria o meu, ainda tinha uma chance de eu voltar correndo, chorando, pedindo pra não me mandarem de volta. Não me deixaram morar sozinha. Tinham medo que eu passasse mal, que eu ficasse deprimida. "Uma república", disseram. E fui! Fiz as malas, montei meu quartinho, fiz muitas sessões de terapia e fui. Sem um pingo de coragem. Muito medo, mas uma certeza : "dessa vez eu fico". E não foi fácil. Foi difícil desde o primeiro dia. Não dormi quase nada na primeira noite, nem na segunda, nem na terceira... vomitava, chorava. Sozinha. Ou com meu namorado. Não queria dar o braço a torcer. Até que fui dormindo melhor, só acordava pra vomitar e depois pra ir pra aula. Desenvolvi gastrite, mas nunca fui lá muito boa do estômago. Um dia não vomitei mais. Fiz amigos, maravilhosos. Criei raízes. Me apaixonei pelo curso. Dividi apartamento com pessoas maravilhosas que foram minhas irmãs por algum tempo. Passei por muitas coisas e cresci em cada uma delas. Hoje a casa dos meus pais é deles, porque a minha é outra. E eu ainda hei de crescer. ❤
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